Resenha: Insana, de Susannah Cahalan


“Não sei dizer se minha boca está se movendo, nem se há alguém aqui para me ouvir. Está escuro demais para que eu consiga enxergar. Pisco uma, duas, três vezes. Sinto um frio de leve na boca do estômago. Reconheço essa sensação. Demoro pra traduzir meus pensamentos em linguagem, estou muito lenta como se estivesse caminhando por um mangue pegajoso. Uma palavra por vez, as perguntas tomam forma: Onde estou? Por que meu couro cabeludo coça? Onde está todo mundo? […] Objetos começam a emergir da escuridão e a entrar em foco. Depois de alguns instantes, eu os reconheço: TV, cortinas, cama.
Imediatamente, dou-me conta de que preciso sair daqui.
Projeto-me à frente, mas meu corpo bate em alguma coisa. Meus dedos encontram uma vestimenta de malha rígida, que envolve minha cintura e me prende à cama como se fosse uma… qual é mesmo a palavra? Como se fosse uma camisa de força. A roupa está presa a duas barras laterais de metal gelado. Agarro as barras com as mãos e puxo, mas outra vez as tiras pressionam meu peito e cedem apenas alguns poucos centímetros. Há uma janela fechada à minha direita que dá para a rua. Carros, carros amarelos. Táxis. Estou em Nova York. Estou em casa. […]
Em meus pulsos há uma pulseira de plástico laranja com algo escrito. Aperto os olhos sem conseguir ler as palavras. Mas, depois de alguns segundos, as grandes letras se tornam nítidas: RISCO DE FUGA.”
Susannah Cahalan é uma jovem e promissora jornalista de 24 anos, que trabalha no famosíssimo New York Post. Sua carreira estava evoluindo rapidamente, independente e determinada, parecia que nada nem ninguém poderia impedi-la de alcançar seus objetivos.

Mas foi numa manhã qualquer, acordando para mais um dia de trabalho no jornal, que Susannah nota dois estranhos pontinhos vermelhos em seu braço. Desconfiada que havia sido picada por um percevejo, já que algumas partes de cidade estavam passando por uma infestação, ela resolve sair à procura de qualquer indício dessa praga em sua casa. Praticamente “bota a casa de cabeça pra baixo”, mas não encontra um mísero sinal de percevejos. Mesmo angustiada, continua com sua rotina profissional.

Porém, algo estranho começa a incomodá-la. O que era? Nem Susannah sabia. Mas algo faz com que sua fixação pela possível picada aumente. Surpreendentemente a realidade começa a acompanhá-la. De uma hora pra outra, ela começa a sentir tonturas e a enxergar coisas. Seu desempenho no trabalho diminui drasticamente. Susannah resiste por algum tempo, mas logo resolve a ir a um médico saber o que estava acontecendo.


Convencida pelo médico que ela tinha no máximo uma mononucleose (doença do beijo), sendo que os exames não haviam mostrado nenhuma alteração, Susannah se tranquiliza e percebe que toda aquela apreensão anterior não passava de coisa da sua imaginação. Entretanto, o que era pra ser uma simples doença de adolescentes começa a tomar força. Suas tonturas aumentam drasticamente e ela começa a ter paranoias a respeito das pessoas à sua volta, pais, namorado, colegas de trabalho. Susannah Cahalan estava surtando.

Só depois de sofrer com convulsões que tanto ela quando as pessoas da sua família perceberam que o que acometia a jovem era muito mais que uma mononucleose. Levaram-na a diversos médicos e psicólogos, mas ninguém conseguia dar diagnósticos precisos. Quando Susannah teve mais uma convulsão na recepção de um grande hospital de Nova York, ela foi finalmente internada às pressas.

Diversos exames foram realizados, mas sem nenhum resultado. Cada vez mais as paranoias de Susannah aumentavam e passaram-se poucos dias até que ela se tornou uma pessoa completamente irreconhecível, bem diferente da extrovertida e independente jovem jornalista de antes. Ela estava violenta, imprevisível, cada vez mais paranoica. Susannah Cahalan estava enlouquecendo.


Mais e mais exames foram realizados, mas mesmo com a ótima equipe do hospital do NYU, ninguém conseguia descobrir o que a jovem tinha. Seu caso piorava cada vez mais. A sua família e o seu namorado, Stephen, acompanhavam-na dia após dia, desesperados por qualquer que fosse o diagnóstico (ficariam felizes se houvesse pelo menos um diagnóstico) na esperança de que veriam a antiga Susannah outra vez.

“Niente. Nada fora do normal. Até as ressonâncias magnéticas e tomografias computadorizadas estavam limpas. A julgar pelo parecer dos laboratórios, eu estava cem por cento saudável. Meus pais sentiam que os médicos estavam começando a se desesperar, porque talvez jamais conseguissem descobrir o que estava acontecendo. E se não havia nenhum problema físico para ser tratado, todos sabiam – embora ninguém admitisse – que eu estava destinada a um lugar muito pior.”

Susannah Cahalan conta esta sua incrível experiência de ter enfrentado frente a frente a morte e a loucura em seu livro Insana – Meu Mês de Loucura, publicado aqui no Brasil pela editora Belas-Letras. Numa mistura arrebatadora de memórias familiares e suspense científico, Susannah conseguiu criar um relato sem precedentes de uma doença até então raríssima e pouco conhecida.

A obra, escrita em primeira pessoa, não contou apenas com o esforço e memórias da autora. Como ela não se lembra de boa parte das coisas que aconteceram enquanto esteve internada, sua família, seu namorado e seus médicos contribuíram com muitos relatos para o livro, para que Susannah conseguisse traçar com a maior fidelidade possível seus dias no hospital. Ela usou até mesmo registros das câmeras de seu quarto no NYU, podendo assim relatar seus minutos de paranoia e alucinações em meio às madrugadas no hospital e até mesmo suas tentativas de fuga (coisas que não se lembrava de ter feito).





O livro, além de ter ficado em #1 no New York Times Best Sellers, vai ganhar uma adaptação para o cinema com produção de Charlize Theron e estrelando Dakota Fanning como Susannah.


Com um linguagem rápida e feroz, porém atenta aos detalhes mais importantes, Susannah Cahalan conseguiu me deixar estupefata. Misturando seus dramas pessoais com suspense científico, ela conseguiu escrever um livro difícil de largar, que pode ser lido do início ao fim em apenas um dia. Tocante e emocionante ao mostrar os dramas da família e amigos em meio à doença; avassalador e assombroso ao relatar as paranoias e alucinações mais íntimas de Susannah. Você pode pensar estar lendo sobre algum caso do Dr. House, mas é apenas a história de Susannah Cahalan em seu mês de loucura.

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