Na imagem: Antônio Vieira na redução das tribos em Marajó, de Theodoro Braga (1657)
No interior da estética barroca, observam-se duas tendências distintas: o cultismo (também chamado de gongorismo) e o conceptismo.
Cultismo
Predominante na poesia, o cultismo caracteriza-se pelo grande investimento no aprimoramento da forma verbal, alcançado pelo uso frequente das figuras de linguagem e pela construção de imagens que envolvem o leitor por meio de estímulos sensoriais (exploração prioritária de cores e sons).
À morte de F.
Francisco de Vasconcelos
Esse jasmim, que arminhos desacata,
Essa aurora, que nácares aviva,
Essa fonte, que aljôfares deriva,
Essa rosa, que púrpuras desata;
Troca em cinza voraz lustrosa prata,
Brota em pranto cruel púrpura viva,
Profana em turvo pez prata nativa,
Muda em luto infeliz tersa escarlata.
Jasmim na alvura foi, na luz Aurora,
Fonte na graça, rosa no atributo,
Essa heróica deidade que em luz repousa.
Porém fora melhor que assim não fora,
Pois a ser cinza, pranto, barro e luto,
Nasceu jasmim, aurora, fonte, rosa.
Conceptismo
Em lugar de investir no rebuscamento linguístico, o escritor que privilegia o estilo conceptista (procura seduzir seu leitor pela construção intelectual). O texto desenvolve um conceito por meio de desdobramentos e raciocínios engenhosos que, muitas vezes, levam à constatação de paradoxos inesperados.
Os recursos formais típicos dos textos conceptistas são as analogias, as comparações ousadas, as metáforas, que valorizam o conteúdo, a essência da significação.
“[…] Quem foi mau uma vez, presume o Direito que o será outras, e que o será sempre. Saia pois Adão do lugar onde furtou, e não torne a entrar nele, para que não tenha ocasião de fazer outros furtos, como fez o primeiro. E notai que Adão, depois de ser privado do Paraíso, viveu novecentos e trinta anos. Pois, a um homem castigado e arrependido, não lhe bastaram cem anos de privação do posto, não lhe bastarão duzentos ou trezentos? Não. Ainda que haja de viver novecentos anos, e houvesse de viver nove mil, uma vez que roubou, e é conhecido por ladrão, nunca mais deve ser restituído, nem há de entrar no mesmo posto.
Assim o fez Deus com o primeiro homem do mundo, e assim o devem executar com todos os que estão em lugar de Deus. […]
Trecho do Sermão do bom ladrão, de Antônio Vieira.
Fonte: Livro de Português – Volume único, de Maria Luiza Abaurre, Marcela Nogueira Pontara e Tatiana Fadel.