Pouca gente sabe, mas as mulheres foram pioneiras na literatura gótica. Ainda no século XVIII, esse gênero literário serviu para que essas escritoras tivessem a chance de explorar cenários até então pouco abordados, como abadias, castelos mal-assombrados e vilas medievais, além de inspirar as mulheres de gerações futuras a se aventurarem pela literatura. A literatura serviu como instrumento para que essas mulheres expressassem seus medos e ansiedades reais, além de abordar diversos temas acerca da opressão feminina.
Em comemoração ao mês do Dia das Bruxas, vou indicar para vocês algumas escritoras que venceram as barreiras do machismo para escrever suas histórias (e fazer história!).
Ann Radcliffe (1764 – 1823)
Certamente a literatura gótica não existiria da forma como a conhecemos hoje se não fosse o pioneirismo da escritora Ann Radcliffe. Sua habilidade em explicar eventos sobrenaturais fez com que a literatura gótica ganhasse mais respeito e popularidade em sua época, abrindo portas para diversos novos escritores. Provavelmente sua obra mais famosa é “Os Mistérios de Udolpho”, que aborda não apenas temas sobrenaturais como também temas muito reais (e atuais), como a opressão feminina.
Clara Reeve (1729 –1807)
Clara foi outra grande pioneira da literatura gótica. Seu primeiro trabalho foi a tradução da alegoria “Argenis” do escritor John Barclay, que ela intitulou como “The Phoenix” (1772). Detalhe importante nisto é que se tratou de uma tradução do latim, uma língua que pouquíssimas mulheres dominavam na época, o que já demonstrava que Clara não era uma mulher que se prendia a estereótipos. Sua obra mais conhecida é “The Old English Baron” (1777), que contribuiu para concretizar a participação das mulheres na primeira onda da literatura gótica mundial.
Sophia Lee (1750 –1824)
Sophia nasceu e cresceu em meio à literatura. Seu pai, John Lee, foi um importante ator e produtor teatral de sua época, o que certamente a estimulou a seguir pelo mundo da arte. Sua primeira peça, “The Chapter of Accidents”, foi apresentada pela primeira vez em 1780 no famoso Haymarket Theatre, e garantiu um sucesso imediato para a escritora. Sua obra “The Recess” é considerada como uma obra formativa da literatura gótica.
Eliza Parsons (1739 –1811)
Mesmo se sabendo pouco a respeito da biografia dessa autora, com certeza pode-se afirmar que ela foi uma lutadora. Ela foi filha de um comerciante que viu seu negócio ser destruído por um incêndio em 1782. Após isso, a família de Eliza passou a enfrentar diversas dificuldades financeiras, além de sofrer perdas irreparáveis de familiares. A escritora enfrentou a perda do pai, do irmão e de vários de seus filhos, se vendo sozinha no mundo com uma família para sustentar. E foi na literatura que ela tentou encontrar um meio de garantir o sustento de todos eles, tendo escrito 19 romances e uma peça ao longo de sua vida, sendo “The Castle of Wolfenbach” e “The Mysterious Warning” as suas obras mais conhecidas.
Regina Maria Roche (1764–1845)
Regina foi muito influenciada pela escritora anteriormente citada, Ann Radcliffe. A autora escreveu diversos livros que se tornaram bestsellers na década de 1790. Suas obras de maior sucesso foram “The Children of the Abbey” e “Clermont”, sendo traduzidas para diversos idiomas, como o francês e o espanhol, além de terem ganhado diversas edições ao longo dos anos devido ao enorme sucesso dos livros.
Charlotte Turner Smith (1749 –1806)
Charlotte foi uma escritora que se aventurou nos mais diversos estilos, indo desde os romances e poesias, até obras infantis. Ao deixar seu marido, ela decidiu usar a literatura como meio de garantir o sustento de seus filhos. Sua luta para conseguir manter sua independência em meio a uma sociedade patriarcal foi tema de diversos de seus textos. Suas obras mais conhecidas são “Elegiac Sonnets”, “Desmond” e “The Old Manor House”.
Eleanor Sleath (1770 –1847)
Infelizmente, pouco se sabe sobra a vida pessoal dessa escritora. Porém, em 2012, um estudo publicado por Rebecca Czlapinski e Eric C. Wheeler revelou alguns detalhes sobre a vida de Eleanor que até então eram desconhecidos. Sabe-se que ela se casou em 1792 e que teve um filho, mas que infelizmente morreu precocemente em 1794. Quatro semanas depois da morte de seu filho, o marido de Eleanor também veio a falecer, a deixando com uma enorme dívida. Após isso, ela decidiu retornar para seu antigo lar a fim de cuidar de sua mãe idosa. Eleanor foi outra mulher que buscou na literatura um meio de poder garantir maior conforto para sua família. Sua obra mais importante é “The Orphan of the Rhine”.
Jane Austen (1775 —1817)
Todos conhecem Jane Austen como a criadora de grandes clássicos da literatura mundial, como “Orgulho e Preconceito” e “Razão e Sensibilidade”. Entretanto, não muitos notam a importância que a escritora teve para a literatura gótica. Uma de suas obras mais aclamadas, “A Abadia de Northanger” (1817), é uma paródia inteligente dos romances góticos. O livro conta a história da jovem Catherine Morland, que se imagina em diversas aventuras em castelos sombrios e mosteiros e vê um de seus sonhos se tornando realidade quando é convidada a permanecer na Abadia de Northanger. Curiosamente, o livro de Jane Austen acaba servindo como uma antologia de alguns romances góticos. Durante o enredo, Isabella Thorpe, uma amiga de Catherine Morland, revela uma lista de “sete romances abomináveis”, citando diversas obras que inclusive foram mencionadas neste post, dentre eles “The Castle of Wolfenbach” e “The Mysterious Warning” (Eliza Parsons), “Clermont” (Regina Maria Roche) e “The Orphan of the Rhine” (Eleanor Sleath).
Casa de campo em Chawton, Hampshire, onde Austen viveu durante seus últimos oito anos de vida. Hoje a casa é sede de um museu dedicado à vida de Jane, chamado “Jane Austen’s House Museum”.
Louisa May Alcott (1832 –1888)
Louisa é provavelmente uma das escritoras mais populares desta lista. Para quem não sabe, ela escreveu o internacionalmente aclamado livro “Mulherzinhas” (1868), que inclusive já ganhou diversas adaptações para o cinema. A adaptação mais recente é de 2019 e foi produzida por Greta Gerwig, tendo sido aclamada pela crítica. A escritora Louisa May Alcott foi uma abolicionista e feminista, tendo sido ativa nos movimentos sociais até o fim de sua vida. Seu thriller “Behind a Mask” (1866) foi uma grande contribuição para a literatura gótica, abordando temas considerados impróprios para a época, como a violência e sexualidade.
Emily Brontë (1818 —1848) & Charlotte Brontë (1816 —1855)
Emily é a irmã do meio das conhecidas “Irmãs Brontë”. Sua obra mais famosa, “O Morro dos Ventos Uivantes” (1847), hoje é considerada como um dos grandes clássicos da literatura mundial. Emily inovou em seu romance, ao abordar o macabro sob um viés mais psicológico. Já Charlotte Brontë é a mais velha das três irmãs, sendo mais conhecida pela obra “Jane Eyre” (1847), que apresenta diversos elementos da literatura gótica, como a ambientação, os mistérios e os acontecimentos trágicos envolvendo os personagens.
Charlotte Perkins Gilman (1860 –1935)
A polêmica escritora Charlotte Perkins Gilman também pode ser considerada como uma influência para a literatura gótica. Seu livro mais conhecido, “O Papel de Parede Amarelo” (1892), é considerado um exemplo de literatura gótica ao tratar de temas como a loucura. O livro conta a histórica de como uma mulher confinada em seu quarto aos poucos enfrenta um colapso mental. Hoje, esse livro é considerado como um grande clássico do terror psicológico.
Charlotte Perkins Gilman escreveu um artigo sobre feminismo para a “Atlanta Constitution”, publicado em 10 de dezembro de 1916.
Charlotte Dacre (1771 ou 1772 –1825)
Charlotte Dacre é outra importante escritora da literatura gótica, tendo sido até mesmo mencionada em textos de Lord Byron. Como escritora, Dacre criou diversas personagens femininas que destoavam do padrão do que se esperada de uma mulher da época, sendo muitas vezes fisicamente violentas e demonstrando seus desejos sexuais. Sua obra mais conhecida é “Zofloya” (1806).
Mary Shelley (1797 –1851)
É impossível falar em literatura gótica sem citar Mary Shelley. Essa escritora foi uma das figuras mais influentes (quem sabe a mais importante) da literatura gótica mundial. Poucos sabem, mas Mary é filha da importante feminista Mary Wollstonecraft.
O frontispício da edição de 1831 de “Frankenstein”, de Theodor von Holst, um dos dois primeiros ilustradores do romance.
Em 1815, o Monte Tambora entrou em erupção, deixando o hemisfério norte sem verão por conta da poeira que foi lançada na atmosfera e bloqueou a luz solar. Pouco tempo depois, Mary e seu futuro marido Percy foram passar suas férias no Lago Léman junto com os amigos do casal e também escritores, Lord Byron e John Polidori. Devido ao clima hostil, os quatro se viram obrigados a permanecerem reclusos. Como forma de passar o tempo, eles começaram a contar histórias de horror uns para os outros. Porém, Lord Byron decidiu propor algo diferente ao grupo, como um desafio: cada um deles deveria escrever uma história original de fantasmas e apresentar ao restante do grupo. Depois de vários dias pensando sobre qual história escrever, Mary Shelley teve a ideia de falar sobre um estudante que deu vida a uma criatura horripilante. A história transformou-se no livro que hoje é considerado um dos mais importantes clássicos da literatura de horror mundial: Frankenstein.
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